29 novembro 2006

Celebrar Lopes Graça




No ano em que se comemora o centenário do nascimento de
Fernando Lopes Graça,
Ourém não ficou indiferente e
celebrou a efeméride,
no passado fim-de-semana.
No sábado, foi na Som da Tinta e no domingo no cine-teatro municipal.

Na Som da Tinta o maestro e compositor, mas sobretudo o amigo de Lopes Graça, António Sousa, falou da vida de Lopes graça, permitindo assim que se compreenda um pouco melhor a personalidade daquele que é um dos maiores vultos da música contemporânea.
Embora pouco tenha falado de si mesmo, António Sousa apresentou-o como fruto de muitas e diversificadas vivências que acabariam por moldar a sua forte personalidade.
Do pai herdou o apelido Graça, que em Tomar, é sinónimo de descendente de alguém que foi deixado na roda dos expostos que então existia no velho Hospital da Graça. Aí, as crianças, ao serem recolhidas, recebiam um nome próprio que, mais tarde, aquando do baptismo, era acrescido do apelido «da Graça». Recolhido por uma ama, o pai de Lopes Graça, acabaria por ficar na sua família, recebendo também o apelido dela, Lopes. É pois, no seio de uma família humilde que nascerá o nosso compositor embora as mudanças da vida lhe tenham proporcionado o contacto com muitas e diferentes realidades. A trabalhar num hotel, o seu pai acaba por vir a adquirir também um e a família deixa a sua humilde casa para viver no hotel, embora também ele humilde.
Mas para além da origem, há que situar temporalmente a infância e juventude do compositor. Com o fim da Ordem Templária, existe uma série de nobres que transformam Tomar numa cidade cosmopolita com muita gente culta e endinheirada. Por outro lado, tinha muita tropa e alguma dela hospedada no hotel do pai do compositor. De referir ainda que a família, ao chegar ao hotel. Deparou-se com um piano e os mais novos, não sabendo tocar, massacravam os ouvidos dos hóspedes. Foi então que um tenente ali hospedado se lembrou de uma jovem, filha de um general, que poderia ensinar música ao pequeno Fernando. Assim entra Lopes Graça no mundo que o havia de celebrizar. Seguem-se, durante a juventude, os contactos com famílias cultas tomarenses, sempre através da música.
De referir ainda que o facto de Tomar ser uma terra com muita tropa, teve, no início do século passado, duas bandas militares de grande qualidade. Isto aliado à tal riqueza e cultura das famílias nobres, acabou por criar, em Tomar, uma sociedade musical muito especial: de um lado gente culta, ligada à igreja, do outro os militares que, em campanha, tomavam contacto com novas realidades culturais e musicais. É neste meio musical muito vivo que nasce e se forma o jovem Fernando que acaba por entrar neste mundo muito por obra do acaso.
É o primeiro grande contraste da sua vida: a origem pobre e o contacto com a aristocracia culta.
Como o dinheiro não abundava, muito jovem ainda, Fernando Lopes Graça forma um quinteto para acompanhar as sessões de cinema mudo do salão Paraíso e assim pode continuar a pagar as suas lições de piano. Uma das suas ligações importantes na aristocracia, foram os irmãos Mota Lima que abastados, tinham autorização familiar para se foramrem musicalmente desde que não se tornassem profissionais. Mas segundo António de Sousa, eram estes excelentes músicos que viajavam muito e compravam tudo o que à música respeitava. Lopes Graça, adolescente então, pertencia ao seu grupo restrito de músicos que faziam sessões nocturnas em casa, levando, no Verão, os passeantes a juntarem-se em torno da sua casa para ouvirem a música que saia pelas janelas, tocada pelo grupo. Assim se compreende que Lopes Graça sempre tenha entendido que a música não necessita de salões para ser executada porque ela se faz em qualquer lado.
O compositor vai depois para Lisboa e liga-se a outro salão onde se faziam serões musicais e por onde passava a «nata» da música, na capital. Em Coimbra já depois da prisão porque passou quando director do Jornal «Acção» onde acaba por participar em tudo quanto são movimentos culturais da época.
Mais tarde, com a ajuda de um grupo de amigos, acaba por ir para França «a salto» mas a verdade é que a sua cidade natal funciona sempre como retaguarda de todo o seu percurso. Aliás, nos relatórios da PIDE ele parece sempre referenciado em Tomar. Segundo António de Sousa é de referir também o apoio que Lopes Graça deu sempre às tentativas de criação de coros em Tomar. Aliás ele próprio havia, em miúdo, cantado no coro da igreja, levado pela professora de piano. Isto apesar de, como refere Sousa, com graça, que José Gomes Ferreira dizer que Lopes Graça «tinha voz de vaca». Por isso Sousa considera que Lopes Graça, Tomar e a música coral, formam um triângulo muito forte.
Daí que no final da conversa no átrio da Som da Tinta, a homenagem tenha continuado com o Chorus Auris a cantar vários temas musicados pelo maestro Fernando Lopes Graça.
Momentos na vida
de Lopes Graça
1906: Nasce a 17 de Dezembro em Tomar, onde inicia os estudos de piano. -1924: Ingressa no Conservatório Nacional de Lisboa. - 1927: É aluno da Classe de Virtuosidade de Viana da Mota. - 1931: Termina o Curso Superior de Composição. É preso e desterrado para Alpiarça. - 1934: Ganha uma bolsa para estudar em França, que lhe é recusada por motivos políticos. -1937: Parte para Paris. Estuda com Koechlin Composição e Orquestração. -1938: A Maison de la Culture de Paris encomenda-lhe uma obra: «La fiévre du temps» (ballet-revue). Harmonizações de canções populares portuguesas. -1940: Ganha o prémio de Composição do Círculo de Cultura Musical com o 1º Concerto para Piano e Orquestra. - 1941: Tomás Borba convida-o para professor na Academia de Amadores de Música. - 1942: Obtém o prémio do Círculo de Cultura Musical com a «História Trágico-Marítima» (poema de Miguel Torga). - 1944: Ganha pela 3ª vez o Prémio de Composição do CCM com a «Sinfonia». - 1945: Faz parte da Comissão Distrital do MUD. - 1949: Faz parte do júri do Concurso Internacional Béla Bartók em Budapeste. - 1952: Novo prémio de composição do Círculo de Cultura Musical com a 3ª Sonata para Piano. - 1961: Edita com Michel Giacometti o 1º volume da Antologia de Música Regional Portuguesa. Início do In Memoriam Béla Bartók (8 suites progressivas para piano) que completa em 1975. - 1969: Rostropovich interpreta o Concerto de Câmara para violoncelo encomendado a Lopes-Graça. - 1973: Início da publicação das «Obras Literárias» (Editora Cosmos) em 18 volumes. - 1974: Assume a presidência da Comissão para a Reforma do Ensino Musical criada pelo Governo Provisório da Revolução de Abril. - 1979: Compõe para grande orquestra, solistas e coro o «Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal». - 1981: Convite do governo húngaro para as Comemorações do Centenário do nascimento de Béla Bartók. - 1993: Audição integral das sonatas e sonatinas para piano (Matosinhos). Homenagem no seu 87º aniversário. - 1994: Morre na noite de 27 Novembro na sua casa na Av. da República, na Parede, junto a Cascais.




As peças de Lopes Graça "foram feitas para serem cantadas". E Lopes graça dizia: "Que todos as cantassem e já ninguém se lembrasse que eram de Lopes Graça". As palavras são do musicólogo António Sousa que apresentou alguns aspectos da obra tanto de Lopes Graça, como de Mozart, no concerto "Viver grandes compositores", uma iniciativa da Academia de Música Banda de Ourém - AMBO a festejar os "75 anos ao serviço da cultura".
Durante o espectáculo em que foram recordados os dois compositores, o Chorus Auris, apresentou na primeira parte, temas de Lopes Graça e de Mozart, alguns dos quais acompanhados por Pedro Cruz ao piano.
António Sousa referiu a musicalidade das composições do tomarense. "Foi buscar as espécies folclóricas" e acaba por criar um outro estilo. E se no início, o som é reconhecido e até o ouvinte tem vontade de o cantarolar, "a meio da música já temos a sensação que já não conhecemos".
As "canções heróicas hoje já descontextualizadas no sentido heróico", não o são "no sentido mobilizador", salienta o musicólogo.
Sobre Mozart, os temas apresentados reflectem o período maçónico do compositor. António Sousa recordou que Mozart apresentava uma serenata por ano, em Salzsburgo, "música leve" e que servisse de algum modo como ornamento musical aos palácios e palacetes da época.
Na segunda parte do espectáculo dedicado aos dois compositores, actuaram em conjunto a Orquestra de sopros e o Chorus Auris.

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