"Nunca recupero o que já perdi".
A frase é de Manuel Oliveira Bexiga, depois de saber que o Tribunal de Tomar o tinha absolvido do crime de homicídio por negligência na sequência da queda do ultra-leve que dirigia na pista de Valdonas, em Fevereiro de 2003. Do acidente resultou a morte do co-piloto. Era o seu filho Nelson, de 26 anos.
O Tribunal Judicial de Tomar absolveu um homem, na passada sexta-feira, 24, de ter causado a morte ao próprio filho. O Ministério Público acusava Manuel Bexiga de homicídio por negligência dado este não possuir licença adequada para pilotar o ultraleve onde se fazia acompanhar com o filho. O ultra-leve descontrolou-se e embateu no solo provocando graves ferimentos no jovem que acabou por falecer dias depois.
Um julgamento por demais doloroso para Manuel Bexiga, de 50 anos, que em Tribunal teve que reviver a tragédia que se abateu sobre a sua vida no dia 9 de Fevereiro de 2003, pelas 16h30, na pista de Valdonas, em Tomar. "Foi mais um massacre do que outra coisa. Foram três anos à espera disto mas, de qualquer forma, não recupero nada do que perdi", confessou no final da audiência a "O Templário" ainda emocionado com a decisão lida pelo juiz Domingos Mira.
Segundo o juiz, a absolvição resulta do Tribunal não ter conseguido apurar as causas efectivas do embate do avião no solo – a defesa considerou a hipótese de falhas mecânicas – pelo que não pôde responsabilizar Manuel Bexiga pelo mesmo.
Apesar de ter provado que Manuel Bexiga não estava habilitado a pilotar sem ser acompanhado por um piloto instruído e que não podia transportar passageiros a seu lado, o Tribunal não conseguiu provar que a causa do acidente tivesse sido "a inadaptação do piloto à aeronave" nem que tivesse existido alguma "atitude censurável" ou "comportamento revelador de irreflexão por parte do piloto" do ultra-leve. Também contou para esta decisão o facto de Manuel Bexiga não ter antecedentes criminais.
"Sinto que se passou mais qualquer coisa do que aqui foi dito. Neste caso, perdeu o seu filho... Espero que não arque com a pena da sua consciência de ter feito algo mal", concluiu o juiz.
O julgamento deste caso realizou-se em apenas duas sessões, nas quais foram ouvidas testemunhas de acusação e defesa. Por diversas vezes, Manuel Bexiga não controlou as lágrimas, especialmente quando foram ouvidas as testemunhas de defesa que o consideraram uma pessoa consciente, responsável e que, acima de tudo, amava o filho.
Segundo as testemunhas de defesa, Manuel Bexiga era um piloto experiente e com muitas horas de voo e nunca teria feito nada que pudesse colocar em causa a sua vida e do seu filho. Emigrante no Canadá durante 18 anos e a residir em Caxarias, Ourém, Manuel Bexiga tinha a paixão pelos aviões e era raro o fim-de-semana em que não voasse.
Já nas alegações finais o próprio Ministério Público refriu existirem dúvidas às causas do acidente pelo que defendeu a absolvição do arguido.
Domingo fatídico
Aquele fatídico domingo não foi excepção. Eram cerca de 16H30 quando o seu ultraleve Zenair descolou da pista de aviação de Valdonas, voou cerca de 200 metros e caiu numa vinha da Quinta Damil, a 30 metros de uma vivenda. A bordo, para além de João Bexiga, ia o seu filho, Nelson, de 26 anos, sargento para-quedista em Tancos. Já no chão, o piloto conseguiu sair do aparelho pelo seu próprio pé, mas em pior estado ficou o seu filho que, devido ao seu estado de saúde inspirar mais cuidados, teve de ser transferido para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O jovem sofreu um traumatismo craniano-encefálico grave e viria a falecer a 15 de Fevereiro.
Testemunhas no local afirmam ter visto o ultraleve com dificuldades de voo e adiantaram que a descolagem já havia sido feita de forma instável. Antes já tinha feito um voo de cerca de 10 minutos e as mesmas testemunhas já estranhavam o comportamento da aeronave.
No voo fatal, o ultraleve descolou com dificuldade, subiu ligeiramente, deu meia volta, começou a guinar para a direita e foi cair violentamente numa vinha, ficando totalmente destruído. O estrondo foi de tal intensidade que assustou os moradores na zona.
"Foi uma paixão que acabou da pior maneira possível. Sempre esperei não ser condenado porque apesar de não ter licença sabia o que fazia. O principal castigo já tive e hei-de tê-lo para o resto da vida", referiu Manuel Bexiga, visivelmente consternado.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário