10 agosto 2006

Imigração: do acolhimento à integração



O padre Sérgio Henriques é o responsável, a vários níveis pelas questões das migrações. É o Director do Secretariado Diocesano das Migrações e Turismo, mas é também o presidente da Amigrante – Associação de Apoio a Imigrantes. È sobretudo nesta última que se tem vindo a desenvolver uma maior acção já que, como refere o padre Sérgio, a Diocese, no que se refere às questões das relações, acções e actividades com imigrantes, está completamente diluída na Amigrante.
Esta associação, conta, surge para «dar resposta às necessidades e desafios que a partir dos anos de 2001/2, começaram a surgir na nossa Diocese e o Secretariado, automaticamente, diluiu-se com a sua criação».
Os sócios fundadores da associação são o Secretariado da Pastoral das Migrações, a Câmara de Leiria, a Caritas Diocesana, o Movimento de Educadores Católicos e a Acção Católica Independente.
Notícias de Ourém – Como sentiram a necessidade de criar a Amigrante?
Sérgio Henriques – Na festa de Natal de 2001 houve um encontro organizado pelo Secretariado das Migrações e o movimento de educadores católicos que sentiram, no meio da avalanche de emigrantes de Leste que estava a surgir, a necessidade de o promover, para sentir as suas necessidades.
Este primeiro encontro está completamente marcado em todos nós que lá estivemos.
Um começo
marcado pelo medo
Foi em Janeiro porque eles celebram o Natal oito dias depois de nós. Nesse Janeiro de 2001, o encontro estava programado para o salão de uma capela nos Marrazes mas tínhamos que os concentrar num local do conhecimento de todos, transportando-os depois. Por isso, o lugar da concentração foi o teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. E nós víamo-los surgindo nas esquinas. Na altura vinham em avalanche e ainda não estavam legalizados. Até porque ainda não havia legislação. Por isso iam chegando em pequenos grupos e ficavam pelas esquinas, desconfiados. À medida que iam sendo abordados e se lhes ia dizendo que era para entrar num transporte que os levaria para outro local, era vê-los fugir. Conseguimos convencer alguns, explicando que ninguém lhes ia pedir documentos, que não havia polícia, que era a sua maior preocupação, que aquele encontro era apenas para conversarmos, conviver e perceber quais as suas necessidades e em que é que nós poderíamos ajudar. Juntámos cento e tal.
A grande necessidade manifestada logo nesse primeiro encontro, foi a do ensino da língua portuguesa. Aí começou a estruturar-se todo um apoio a este nível.
Com a necessidade de ensinar o português, percebemos que tínhamos que dar um valor jurídico e legal a esta formação porque afinal éramos apenas um grupo de voluntários com vontade de ajudar mas não existia a força institucional. Quem era eu para dizer a um patrão que não podia tirar os documentos, inclusive o passaporte, ao empregado? Era um anónimo. Agora, se o fizer em nome da associação, a força é outra.
NO – e foi esse tipo de situações que levaram à criação da associação?
S.H.- Foi. Sentimos a necessidade de formar a associação que nasce em 2003, legalmente constituída.
Os apoios
NO – Quais são os apoios aí prestados?
S.H.- Apoio no ensino da língua portuguesa; apoio jurídico; social; ético-moral, chamemos-lhe assim porque não queremos imiscuir-nos nas questões religiosas.
NO – Como assim?
S.H.- Não queremos criar barreiras pelo facto de se ser católico, ortodoxo, muçulmano ou de qualquer outra confissão.
A quinta valência é a na área do lazer, na organização de festas, convívios…
«Acima de tudo há que nos respeitarmos e caminhar-mos em conjunto»
NO – Dadas as dificuldades que acontecem no diálogo inter-religioso, como é que convivem com esta realidade?
S.H.- O convívio é sadio. Vem aí a semana das migrações que este ano se realiza, precisamente na lógica destes desafios que a imigração nos coloca.
NO – Mas a questão é saber como é que um católico convicto, em Portugal, convive, por exemplo, com um muçulmano.
S.H.- Em primeiro lugar, valorizando o que temos em comum. No caso do exemplo muçulmano, nós temos a base comum que é Abraão, bem como a existência de um só Deus. Partindo daí, o muçulmano como o católico, aceita toda uma revelação, um dar-se a conhecer de Deus como amor. A partir daqui pode caminhar-se em conjunto, lado-a-lado. O católico não quer absorver o muçulmano, nem o contrário. Acima de tudo há que nos respeitarmos e caminhar-mos em conjunto.
O ecumenismo faz-se mais na relação entre as várias confissões cristãs. É o diálogo inter-religioso que nos leva, precisamente, primeiro a reconhecer os pontos comuns que temos, a valorizá-los e a colocá-los em cima da mesa para partirmos para um diálogo.
NO – O que, deduzo, permite discussões riquíssimas com troca de conhecimentos e de manifestações culturais.
S.H.- Sem dúvida. Não podemos partir do conceito de que eu tenho a verdade absoluta. Por aí, é cair no fanatismo. Temos é que partir da ideia de que todos temos algo de positivo que devemos, em conjunto, valorizar, esquecendo aquilo que nos separa.
Diferenças dentro da própria igreja católica
Ainda neste ponto temos a questão do diálogo ecuménico porque a imigração veio despertar no povo português, numa realidade nova ligada ao mundo cristão, que era desconhecida. Temos, por exemplo, o caso do pe. Eugénio cujo facto de ser casado provoca grande espanto. Mas, dentro da própria igreja católica há diferenças. E é importante frisar isto: há muita gente que pelo facto dele ser casado confunde as coisas e pensa que ele é ortodoxo. Mas ele pertence à Igreja católica romana. Está ligado a Roma e ao Papa.
NO – Explique como é isso possível.
S.H.- É que enquanto nós pertencemos a um rito latino, uma tradição do ocidente, ele pertence à igreja oriental, de rito greco-católico, onde podem ser ordenados padres já depois de casados. Casar antes da ordenação, podem, depois é que não.
NO – Nestes três anos de vida da associação, há algum número relativo a apoios prestados?
S.H.- Atendemos uma média de 200 pessoas por mês.
Do acolhimento
à integração
Mas ainda em relação à história da Amigrante, depois de criada, passou a albergar o Centro Local de Apoio ao Imigrante, uma dependência do Alto Comissariado para as Migrações, da presidência do Conselho de Ministros. Como na região não havia mais nada ligado ao apoio aos imigrantes, o Alto Comissariado contactou-nos para saber se estaríamos disponíveis para com eles colaborar na instalação do Centro Local de Apoio. Desde Abril de 2003 que esse Centro está presente na associação. E agora, no início mês de Junho, a Amigrante passou a ter uma maior responsabilidade, enquanto centro local. Foi assinado novo protocolo com o Alto Comissariado, para albergarmos o Centro Local de Apoio à integração do Imigrante.
NO – Que faz o quê?
S.H.- Se a primeira fase foi de acolhimento, de ajuda em termos de legalização e do ensino da língua, esta etapa é de instalação. É colocar o imigrante, fazendo com que ele seja membro activo da comunidade e reconhecido como tal. Este é o novo desafio que vai fazer com que se promovam acções de sensibilização nas escolas, autarquias…
NO – Como é que esse trabalho é feito? Através de voluntariado?
S.H.- Sim. Neste momento são cerca de duas dezenas de voluntários, na maioria professores. Mas também temos três advogados, duas assistentes sociais e pessoas de outros ramos profissionais mas que são todos voluntários e que se vão disponibilizando para este trabalho.
NO – Referiu apoio nas escolas. De que tipo?
S.H. – Nesta área da integração trata-se sobretudo de apoio no sentido de esclarecer a população em geral, os portugueses, de que aqueles que vêm são também membros de pleno direito, são nossos iguais. É ajudar, precisamente, no acolhimento a esses que estão na escola, combatendo racismos e xenofobias e todas as situações que lhes estão ligadas e que podem vir ao de cima. No fundo, é ensinar as crianças, desde pequeninas, a acolher o outro que ali está, que não fala a mesma língua, mas que é igual a ela, fazendo com que o imigrante e o seu filho não se sintam marginalizados.
Experiência pessoal deixa marcas
NO – Sendo o pe. Sérgio natural da Freixianda, conviveu de perto com o êxodo emigratório do concelho. As histórias que ouviu contar e que terá na família, influenciaram-no, conduzindo-o a este trabalho com os imigrantes, agora?
S.H.- Sem dúvida. A minha ligação a este serviço vem da interioridade que sinto porque sou, de facto, filho de pai emigrante em França durante 25 anos. Senti os desafios que se colocavam então aos emigrantes portugueses. Senti-o na pele e senti também uma interpelação para dedicar algo de mim e do meu sacerdócio, que também devo à emigração, a esta realidade da nossa sociedade.
O bispo quis-me no secretariado e eu aceitei e abracei a ideia. Tudo o que tem vindo a ser feita, tem na base o carinho, o amor com que as migrações me trataram a mim e que agora devolvo. O meu pai foi sempre acarinhado e respeitado no país onde era imigrante. Recordo-me que estava eu no seminário e visitei-o por um mês e senti esse carinho. Nós que fomos e continuamos a ser imigrantes lá fora. Gostaria que aquele tratamento que eu vi ter para com os nossos emigrantes, fosse vivido cá, que nós pudéssemos acolher como fomos acolhidos. É claro que temos histórias negras, tal como agora também as há. Oxalá elas desapareçam completamente.
«Não temos soluções para tudo»
NO – Sendo Ourém um concelho de forte imigração, sobretudo oriunda de Leste e do Brasil e estando a Amigrante sedeada em Leiria, se algum dos nossos imigrantes ainda estiver a necessitar de apoio, o que deve fazer?
S.H.- Em Ourém, ao nível de estruturas legais, políticas, desconheço que haja algo. Poderão sempre procurar os párocos que estão despertos para desenvolver formas de ajuda. Todos têm a morada e telefone da associação. A Amigrante está aberta de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 12h30 e das 17h30 às 19h30. Quem quiser contactar por telefone, tem sempre alguém para atender e ajudar.
É claro que não temos soluções para tudo e não podemos passar por cima da lei. Por muito que queiramos, se alguém, face à lei, não é legalizável, nós também não podemos fazê-lo. É o caso dos imigrantes que tenham vindo recentemente. Neste momento é impossível legalizar quem venha unicamente com visto turístico. Mas também é da responsabilidade das autarquias criarem elementos de apoio a estes cidadãos. Não tenho conhecimento, actualmente, de qualquer programa autárquico de apoio, em Ourém.
Um desafio aceite
NO – Visto não existir qualquer estrutura de apoio em Ourém e dadas as ligações de Leiria e da Amigrante com o nosso concelho, porque não criar como que um braço da Amigrante, cá?
S.H.- É um desafio que o NO me está a colocar e que de modo algum vejo com desagrado. Vou pensar nessa possibilidade. E se houver voluntários, porque não?

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