10 agosto 2006

«Quero conhecer aquele povo e viver com ele»



Verónica Trezentos está em Angola há perto de cinco anos. A sua situação, como ela mesma faz questão de ressalvar, é diferente da do tradicional emigrante. Isto porque foi para Angola acompanhando o marido, engenheiro numa empresa portuguesa. Ou seja, embora trabalhe fora do país, trabalha para uma empresa nacional e por isso, à sua chegada, aguardava-os toda uma estrutura que os emigrantes tradicionais não encontram. Sente, por isso, que a sua é uma situação privilegiada.
Mas a verdade é que só o marido tinha uma situação profissional prevista. Ela não. Daí que tenha feito, aqui sim, o mesmo que faz qualquer imigrante: procurar trabalho. Enviou currículos e acabou por ser chamada para directora pedagógica de um colégio particular, passando, posteriormente a directora do mesmo, trabalho que continua a desenvolver.
O colégio que dirige é frequentado, essencialmente, por filhos de angolanos de classe remediada, se bem que, afirma, «muitos deles é com grande luta diária que conseguem ali manter os seus filhos». Até porque se trata de uma das escolas mais creditadas da região.
«Foi uma experiência muito gira», afirma. Desde que aceitou o desafio para dirigir a escola, «o número de alunos triplicou, o colégio cresceu e foi preciso fazer obras». Considera tratar-se de «um trabalho desgastante, que exige muito de nós». Mas compensa-o o sentimento de estar a fazer algo de verdadeiramente útil, algo que dá sentido à vida. Inicialmente o tempo previsto de estadia do casal em Angola era de dois anos. Vão quase em cinco e confessa que, por vezes já sente algum desgaste sobretudo porque a corrupção, como é sabido, é muita em África e, consequentemente, para conseguir qualquer coisa, por mais simples, é preciso grande luta.
Na sua escola ensinam-se crianças e jovens até ao 9º ano e a maioria dos professores são angolanos e licenciados, ou estão a frequentar o ensino superior, se bem que em Angola basta possuir o 12º ano numa via de ensino para poder leccionar. A luta pela contratação de professores licenciados é outra que tem vindo a vencer e sente que os resultados são evidentes. É que o nível de formação no país é muito baixo e, diz Verónica, isso faz-se sentir sobretudo na hora de tomar decisões, com as pessoas a adiar, manifestando dificuldades em decidir.
Uma das dificuldades sentidas é a da aquisição de livros e manuais escolares. Encontram-nos com facilidade no mercado negro mas a um preço 50 vezes superior. Por isso uma das suas preocupações quando chegou ao colégio, foi a da criação de uma biblioteca e a da criação de hábitos de leitura nos seus jovens. Refere-nos as muitas actividades que vai desenvolvendo nessa área e sente-se feliz com os resultados que, aos poucos, vão aparecendo. Sabe que a sua escola é um pouco a excepção mas compreende que é difícil fazer mais perante as dificuldades. É que os ordenados são muito baixos e os professores acabam por ter que leccionar em mais do que uma escola para sobreviverem, o que lhes deixa pouco tempo para se dedicarem a actividades extracurriculares.
Com alguma mágoa diz que, num país de língua oficial portuguesa, a sua escola é das que oferecem melhores condições. Existe uma escola portuguesa mas funciona mal e em más instalações. Embora tenham sido construídas, recentemente, novas instalações, ainda não estão a funcionar. A funcionar bem está a escola francesa onde estuda a filha mais velha, de 8 anos. Mas Verónica considera essencial que a portuguesa passe a funcionar bem.
Quanto à vida que ali faz, diz que «já há de tudo, como cá, mas, na generalidade, os preços são exorbitantes para os salários que se ganham». Já no que se refere à vida social considera como «muito interessantes e coloridos» os relacionamentos sociais que desenvolve. Reconhece que muitas vezes, os portugueses acabam por se unir mas Verónica defende uma relação mais próxima com os naturais até porque, como diz, «quero conhecer aquele povo e viver com ele. Gosto de me misturar», até porque sente que assim tem muito mais a aprender na troca de vivências e de experiências pessoais e culturais. Aliás, afirma encarar esta campanha em Angola como «uma experiência de vida» que lhe dá abertura de espírito e a poderá preparar mesmo para outras situações e até outras dificuldades.
Do povo em geral e dos seus alunos em particular, destaca a capacidade para as artes: a música, a pintura, o teatro. Mas não tem dúvida que é preciso motivá-los e estimulá-los, o que faz com a evidente paixão que transparece das suas palavras.

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