19 abril 2007

Vegar na Som da Tinta


O jornalismo, tal como se faz em Portugal, com incidência na notícia factual, não o satisfazia. Foi o seu gosto pela grande reportagem que levou José Vegar a escrever livros. Isto porque, como o próprio refere, é difícil encontrar, nos jornais, espaço para escrever grandes reportagens que ocupam várias páginas.
A apresentação do jornalista/ autor, na Som da Tinta, no passado sábado à tarde, esteve a cargo de Sérgio Faria.
O seu ultimo livro, Serviços Secretos Portugueses, baseia-se numa rigorosa investigação que mostra a realidade dos serviços secretos no nosso país, aquilo que investigam e os métodos que utilizam. Assuntos que parecem pertencer a uma esfera superior, sobre a qual ninguém se atreve a falar, como o caso do terrorismo e a sua implantação no nosso país, mas também o crime organizado, os tráfegos de armas e droga ou a manipulação de bilhetes de identidade nacionais, ao que parece tão apetecidos pelos falsificadores de todo o mundo, dada a sua facilidade de falsificação, bem como o facto de pertencer ao espaço schengen, que permite a livre circulação.
Mas não foi apenas deste livro que se falou na Som da Tinta, um outro foi destacado. Trata-se de uma obra criada, em parceria com Maria José Morgado, denominada «O inimigo sem rosto – Fraude e Corrupção em Portugal». Um livro, diz Sérgio Faria, «que me ajudou a compreender o fenómeno da corrupção, graças à descrição detalhada sobre como ocorrem os processos de corrupção».
Um livro que, como o próprio afirma, nasce da necessidade que sentia de «investigar o mais possível para transmitir realidades ao leitor». Foi essa necessidade que o fez deixar os jornais sempre mais interessados nos poderes políticos do que nos outros, matérias que o não atraíam, e começou a escrever «por conta própria». É assim que surge o livro em colaboração com Maria José Morgado. Considera Vegar que para que possa haver cidadania e democracia plenas, é necessário que as pessoas saibam «como as coisas acontecem na realidade». E, mais do que isso, considera que quem as vive tem o dever de as partilhar. Foi com esse dever que terá confrontado Maria José Morgado que acabou por aceitar o desafio, embora consciente do perigo que ele acarretava, num país onde há assuntos que continuam tabu para a sociedade em geral e apenas são discutidos dentro de elites específicas. Diz Vegar que os principais comentários que tem recebido à sua obra passam pela admiração pela quantidade de informação que esta apresenta, o que prova a escassez desta, no nosso país.
Face ao seu conhecimento, baseado na investigação, Vegar não tem peias em afirmar que parece que nada se passa mas «as coisas passam-se, e muito, em Portugal». Passa-se corrupção que «nos toca a todos» porque se as auto-estradas são mais caras, se as casas são mais cara, é porque há corrupção»; passa-se porque os PDM que deveriam ser instrumentos rígidos, «são o instrumento mais elástico que há, por causa da corrupção». É claro que não se trata das grandes conspirações como as que se vêem nos filmes americanos, mas sim de «coisas pequenas, difusas e regulares, que passam por uma vasta teia de interesses». Quase gracejando, Vegar chega a considerar que é algo que parece estar no código genético dos portugueses que os levam a criar uma teia de favores, onde favor paga favor.
Tendo investigado o que se passa nas autarquias, não dúvida da corrupção que aí acontece onde parte do dinheiro que entra vai para favorecimento pessoal e outra parte para os cofres dos partidos que elegeram as suas maiorias, sendo que tal é mais evidente sobretudo no que toca aos dois maiores partidos nacionais. Esta é uma situação que aponta como sendo muito preocupante.
Noutro registo, diz José Vegar que «há um sistema ineficaz que permite que existam em Portugal células da Al-Qaeda ou máfias internacionais a actuar nos negócios imobiliários». Isto resulta, em primeiro lugar do silêncio que se faz sobre estes assuntos. Só cidadãos esclarecidos podem exigir dos seus representantes. E em Portugal o que se verifica é a dificuldade em aprovar leis que tragam poder aos poderes judiciais. Por isso, o sistema de segurança não funciona. Com a ineficácia do poder judicial todos ficamos a perder porque só pode defender-se quem tem capacidade económica para o fazer e a corrupção leva a que não haja competição, barrando o caminho do progresso.
Em Portugal reina o desconhecimento e as pessoas continuam a pensar como se houvessem ainda fronteiras, quando elas já não existem.
Tudo isto são questões que obrigam à reflexão mas que exigem informação para que, conhecedores do que se passa, possamos pressionar os políticos quer a nível nacional, quer a nível local.

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