15 junho 2007

«Há magia nos números»



Notícias de Ourém (NO): Este livro resulta de uma tese de mestrado. Porquê a escolha deste tema?
Eunice Neves (EN): Este livro é uma adaptação da dissertação que realizei para o Mestrado em Matemática Para o Ensino, entre 2002 e 2005, no Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, cuja orientadora foi a doutora Isabel Serra. O tema escolhido para a dissertação (e já antes disso para a cadeira de Seminário), História da Matemática, é um tema que sempre me interessou, mas principalmente desde que foi introduzida a reforma do Ensino da Matemática, poucos anos depois de ter começado a dar aulas. Nela se dá mais importância ao enquadramento histórico dos temas leccionados como forma de humanizar a disciplina, evidenciando o seu desenvolvimento construtivo, que contrasta com a ideia de uma disciplina imutável; através da História, podem levar-se os alunos a dar valor à evolução que esta ciência sofreu ao longo do tempo e aos métodos de resolução de problemas que hoje coloca ao nosso dispor.
O meu projecto de dissertação constituiu-se, essencialmente, como um trabalho experimental: depois de analisado todo o currículo da disciplina de Matemática (1º, 2º, 3º ciclos e secundário), foram seleccionadas unidades temáticas por ano para as quais fiz um estudo do ponto de vista histórico e elaborei episódios de fácil leitura, bem como um suporte de slides animados (powerpoint) e actividades de aplicação imediata. Com este trabalho realizei "Acções de Formação" para alunos do 3º ao 12º ano nas escolas da sede do concelho (EB1 nº1, EB 2/3 D. Afonso, IV Conde de Ourém e Secundária de Ourém), em diversas ocasiões, o que permitiu aperfeiçoamentos sucessivos até chegar ao trabalho que é apresentado no livro (que inclui um CD Rom com as apresentações).
NO: Matemática e História. Aliados ou meramente compatíveis?
EN: Bons aliados desde que bem relacionados (com sentido de oportunidade e de uma forma bem planificada).

NO: Qual a importância da História da Matemática na aprendizagem da Matemática?
EN: Além de contribuir para mostrar que a Matemática é obra de homens e mulheres comuns (embora com algumas características importantes como a persistência e a capacidade de trabalho, por exemplo), o ensino, ainda que formativo, da História da Matemática pode contribuir para motivar os alunos, nomeadamente os que têm menos apetência ou gosto pela disciplina, por ser possível fazer uma abordagem interessante com um grau de dificuldade acessível a todos.
NO: Na introdução pode ler-se que há uma "necessidade de formação contínua dos docentes". É muito sentida? Como colmatar, fora dos grandes centros esta necessidade?
EN: Eu penso que essa necessidade é sentida - eu senti, por isso mesmo fui fazer o Mestrado! Colmatar esta necessidade fora dos grandes centros não é muito fácil pois é neles que trabalha quem tem mais condições para dar formação específica de cada área.
NO: Lê-se ainda que "os manuais escolares abordam alguns temas de forma sucinta". Isso obriga a uma maior pesquisa e preparação por parte dos docentes?
EN: Não é possível a um professor abordar a História da Matemática na sala de aula recorrendo exclusivamente à informação fornecida no manual (quando a tem...); para se fazer uma abordagem histórica consistente de qualquer tema é necessário estudar o contexto sócio-cultural e averiguar qual a fase do desenvolvimento da Matemática em que se insere.

NO: O uso da matemática é um acto muito antigo. Hoje em dia, quase não se fazem "contas de cabeça" e permite-se a utilização das máquinas de calcular na sala de aula. Como se explica isso?
EN: O recurso às calculadoras é tão importante hoje como o recurso ao ábaco o foi na antiguidade. Se o objectivo da aula é ensinar a calcular, obviamente não se usa a calculadora; mas se o que se pretende é que o aluno aprenda a interpretar e relacionar factos, resolver problemas, investigar, então o uso da calculadora, do computador ou qualquer outro instrumento que permita a concretização de uma aula de carácter experimental, quer no ensino básico quer no secundário, é imprescindível.
NO: Há magia nos números? Como se cativam os alunos para a Matemática?
EN: Há magia nos números! Pelo menos, assim acreditavam Pitágoras e os seus discípulos... os números têm propriedades muito interessantes e curiosas, de tal forma que pareceu, a quem as "descobriu", ser difícil que se tratassem de coincidências, o que os levou a atribuir a certos números um significado místico. A magia hoje é conseguir transmitir aos alunos que, mesmo que não seja místico é, no mínimo, muito interessante redescobrir todas as propriedades curiosíssimas que os números têm.
NO: Qual é o truque para ensinar esta disciplina?
EN: Gostar mesmo muito do que se faz, da muidagem, da disciplina e da inovação. Entergar-se à profissão por vocação. Idealizar cada aula com o mesmo entusiasamo da primeira. Ter uma boa preparação científico-pedagógica, inclusivamente nas áreas interdisciplinares.
NO: O livro convida à leitura da primeira à última página como se de uma história se tratasse. Houve esta preocupação?
EN: Sim. Ao escolher os temas a abordar em cada ano tive a preocupação de escolher um tema que fosse relevante nesse ano (pelo peso curricular ou por ser a "novidade" do ano) e que, na medida do possível, permitisse uma certa sequência no texto.
NO: O objectivo desta obra é proporcionar alternativas aos conteúdosdos manuais escolares?
EN: O objectivo desta obra facultar aos professores a possibilidade de prepararem/concretizarem uma aula/sessão de História da Matemática bem enquadrada nos temas que estiverem a leccionar sem que necessitem (obrigatoriamente) de consultar outros materiais. Não constitui, de forma alguma, uma alternativa aos manuais escolares: apenas um complemento para quem quiser experimentar os benefícios da introdução/abordagem histórica dos temas da Matemática.
NO: É um livro para ajudar professores ou também pode ser lido por outros interessados na matemática e na história desta?
EN: Este livro tem como público-alvo mais directo os professores dos diversos ciclos de ensino e, no caso do 1º Ciclo, também os professores/monitores de ATL, pois as actividades podem perfeitamente realizar-se num contexto extra-curricular. No entanto, qualquer pessoa (alunos inclusive) que tenha gosto pelas coisas da Matemática pode ler o livro e tentar fazer algumas das actividades: estou certa de que podrão mesmo divertir-se com algumas delas!
NO: A apresentação do livro decorreu em Lisboa. Em que iniciativa foi inserido o lançamento?
EN: O livro foi lançado na "Grande Feira da Matemática" que inaugurou o Clube de Matemática da Sociedade Portuguesa de Matemática no Museu da Ciência, em Lisboa, no passado dia 1 de Junho. Foi apresentado ao público (professores e alunos de diversas escolas, entre outros convidados) pelo Professor Doutor Miguel Ramos, que era o presidente do Departamento de Matemática no ano em que defendi a Tese de Mestrado e pela Doutora Isabel Serra. Este livro foi escrito sob proposta do Departamento, que se mostrou disponível para custear a edição. No entanto, foi possível à faculdade propor ao programa "Ciência Viva" o financiamento deste projecto, que respondeu afirmativamente. Assim, o livro não é comercializável: a sua distribuição é gratuita (nesta edição, de 2000 exemplares) por se destinar à promoção de actividades pedagógicas no ensino básico e secundário.
NO: Quando será lançado em Ourém, nas escolas?
EN: Ainda não há nada previsto para um "lançamento" em Ourém. Eu própria entregarei o livro nas escolas da sede do concelho onde continuo a realizar as Acções de Formação para alunos, que este ano foram financiadas pelo "Concurso Ciência Viva VI" mediante um projecto que elaborei e com o qual concorri. Penso que o Departamento de Matemática da FCUL está a providenciar para que os livros sejam distribuídos pelas escolas assim que possível.
Quanto às livrarias, como o livro não é comercializável, o mais que podem fazer é divulgá-lo... O que já é bom. Quem estiver interessado em adquiri-lo, apenas tem que contactar o Departamento de Matemática da FCUL, que lho enviará.

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