01 junho 2007

Muro causa queda da Junta de Freguesia do Fárrio


Na Freguesia de Ribeira do Fárrio, concelho de Ourém, ergueu-se um verdadeiro muro de discórdia que acabou por levar à renúncia dos membros da autarquia, eleitos pelo PSD.
À primeira vista, tudo parecia ter começado com a construção de um muro a vedar uma quinta junto à estrada. O presidente da Junta de Freguesia da Ribeira do Fárrio contestou a sua construção e sobre isso escreveu na «Ribeira Verde», um pequeno jornal mensal da freguesia. Aí, com o título «Mais de vinte anos apaixonado», Filipe Janeiro contestava veementemente esta construção afirmando que «é triste e vergonhoso, que na própria sede desta freguesia de Ribeira do Fárrio, a Câmara deste concelho tenha autorizado e pago a construção de um muro, sem as mínimas regras». Mais acrescenta que «por outro lado também não tiveram consideração por esta Junta, ao não solicitarem o respectivo parecer sobre esta construção». E, logo aí, Filipe Janeiro deixava o aviso: «se a Câmara não mandar alagar o muro, junto ao rio/ ponte, eu Filipe Janeiro, como presidente desta Junta, não posso continuar».

Um caso que já se arrasta há 7 anos
Mas, segundo os documentos de que dispomos, a polémica não é nova. Inicia-se em Agosto de 2000, quando o proprietário, da quinta onde foi implantado o muro «da discórdia», Carlos Paquim da Costa, envia oficio à Câmara queixando-se do «arranque de oliveiras e ocupação de terreno». Refere ainda o «abusivo derrube do muro de vedação da Quinta – cuja reconstrução, várias vezes prometida, ainda se aguarda», solicitando a reparação da situação. O presidente da Câmara responde, em 13 de Outubro do mesmo ano, que «o alargamento da estrada de acesso ao Centro de Dia da Ribeira do Fárrio, foi efectuado pela Junta de Freguesia, entidade que deve esclarecer esta situação». No dia 30 de Outubro, o advogado de Carlos Paquim Costa informa da intenção de proceder judicialmente contra a Junta de Freguesia do Fárrio, «a fim de obter a reparação do muro que foi derrubado », durante as obras que a Junta ali efectuou em inícios de 1998. Para além disso o processo judicial visaria ainda «obter a indemnização devida pelo derrube de árvores e ocupação abusiva de terrenos» no ano 2000, durante o largamento da estrada. No entanto, no final do documento, o advogado, antes de avançar para os tribunais, «convida» o presidente da Junta «a mandar reparar o muro em ambos os locais, no prazo máximo de trinta dias».
Filipe Janeiro responde, no mês seguinte, afirmando que as obras em causa eram da responsabilidade da Câmara, ao que esta responde devolvendo a responsabilidade afirmando que «os trabalhos em causa foram executados sob orientação da Junta de Freguesia, a quem caberá responder perante o queixoso».
Os advogados de Carlos Paquim da Costa voltam a enviar ofício à Câmara. Consideram irrelevante saber de quem é a responsabilidade e tentam novo acordo «que se limite à reparação do muro» e com «formalização das cedências dos terrenos ocupados e um pedido de desculpas». O proprietário apresenta então uma proposta de acordo com as suas pretensões, para a qual o presidente da Câmara pede um orçamento informal que apontava para um custo de perto de 70 mil euros, o que é considerado incomportável pela Câmara.
O proprietário insiste na resolução do problema e o assunto é levado a reunião de Câmara, já em Novembro de 2005. Aqui foi proposto pagar ao proprietário uma indemnização de 25 mil euros, tendo sido aprovada por maioria com os votos contra dos vereadores socialistas. Mas o proprietário não aceita.
Dia 5 de Dezembro de 2005, a Câmara reúne com Paquim da Costa e chega a acordo para execução dos muros com o pagamento de 25 mil euros pela Câmara, dispensando o proprietário de apresentação de projecto mas ficando a fiscalização encarregue de verificar a implantação. É solicitado ao proprietário que contacte a Câmara no início dos trabalhos para que os serviços municipalizados possam marcar essa implantação.
Isso é feito e os fiscais municipais dão conhecimento, informando também que «há muros construídos com 57 metros lineares e que a serem outros construídos a 5 metros do eixo da via (do ribeiro até à ponte) implica a construção de um muro de suporte de terras» que o proprietário não assume, até porque não estava incluído no acordo. A Câmara despacha então que deveria ser seguido o alinhamento existente, acabando por ser reconstruído o muro junto à ribeira.

De volta à actualidade
No dia 14 de Abril deste ano, a Assembleia de Freguesia reuniu e decidiu «informar a Câmara Municipal de Ourém, que considera «suspeita a marcação deste muro, sem pedir comparência de nenhum membro da Junta de Freguesia». Afirmam-se «surpreendidos com a construção do referido muro, em cima da estrada, junto à ponte, cortando o próprio passeio da mesma».
Aqui é referido também que a Junta de Freguesia terá recebido «várias críticas da população, culpando-a pelo mau trabalho realizado». E explicam que «como era uma obra comparticipada e dirigida pela Câmara Municipal, foi toda a obra alheia a esta Junta e Assembleia de Freguesia».
Por isso e por considerarem que «a partir deste momento» a Junta e Assembleia de Freguesia «não tem poderes de decisão para zelar pelo bem estar desta freguesia». E deixam a ameaça de que «se no prazo de quinze dias não houver uma decisão favorável a este problema» ficariam demissionários.
A resposta chega no dia 3 de Maio.
Em ofício assinado pelo presidente, este diz que, «após visita efectuada ao local», e de acordo com a lei «as competências de licenciamento são da Câmara Municipal e a apreciação a cada situação faz-se à luz desse mesmo quadro legal, não podendo ser condicionada por demissões ou ameaças de demissão». Esclarece que «o muro que foi construído foi em parte suportado financeiramente pela Câmara Municipal, para resolver um conflito existente em tribunal que resultou do facto de a Junta de Freguesia ter demolido um muro e ocupado terreno sem consentimento do proprietário».
Acrescenta que «em visita ao local, confirmámos que, na parte em que o muro foi demolido pela Junta de Freguesia, o muro agora construído foi recuado e está conforme o acordado no local». Por outro lado, «a parte do muro junto à ribeira é uma reconstrução e foi efectuada no local do muro ainda existente. Os particulares têm o direito legal de o fazerem. Também aqui não é diferente do que foi acordado».
Porém, diz o presidente da Câmara, «também nos parece que esta parte do muro deveria ter sido recuada, para melhoria da via pública e criação de local para passagem de peões na continuidade do passeio que existe na ponte». Mas «este alargamento exigirá uma fundação diferente da existente e poderá ser feito após consentimento do proprietário». Por isso, «a Câmara Municipal vai contactar com o proprietário, para resolver a situação e oportunamente dará conta da situação encontrada».
Logo no dia a seguir, 4 de Maio, a Junta de Freguesia remete novo ofício para a Câmara onde começa por questionar das suas próprias competências e quanto ao facto de David Catarino ter afirmado que se tratava de uma reconstrução de muro, demolido pela própria Junta, esta afirma tratar-se de uma «mentira, visto nunca ter existido muro no local».
Mais acrescentam que «existem na freguesia muitos habitantes com mais de 80 anos que podem confirmar nunca ter existido um muro no local». Dizem ainda os eleitos do Fárrio que «não existia muro» junto à ribeira, «apenas existindo um encosto para suporte de terras» o que, defendem, «não pode ser considerado construção».

Deita abaixo,
faz de novo
No final da última reunião de Assembleia Municipal que, por ser extraordinária não permitia a discussão de assuntos não agendados, o presidente da Junta de Freguesia do Fárrio saiu do seu lugar para, no local destinado ao público, falar desta situação, afirmando não entender o que estava a passar-se. Conta que na véspera desta reunião, quarta-feira, dia 23, terá recebido um telefonema de um funcionário municipal informando-o que ali iria na manhã de quinta-feira para fazer a demolição de uma parte do muro. Diz ainda que na própria quinta-feira, pelas 9 horas da manhã, o mesmo funcionário o terá contactado de novo, informando que estaria no Fárrio por volta das 10 horas da manhã, com tal objectivo, pelo que ele, Filipe Janeiro, deveria contactar o empreiteiro que ali deveria estar com a máquina para a demolição. Diz que assim fez e que também estava presente às 10 e que o muro foi, de facto, demolido. Por isso, Janeiro diz agora não entender que o muro esteja a ser reconstruído no mesmo local.
Daí que pergunte ao presidente da Câmara se o muro é mesmo para reconstruir naquele local. Como a resposta não lhe foi dada de imediato, insiste para que tal aconteça e David Catarino acaba por dizer que «para lhe responder ia ser deselegante e dizer algumas coisas que o sr. não ia gostar…». E mais não disse. Por isso Filipe Janeiro faz menção de se retirar apesar dos apelos da presidente da Mesa para que se acalme e retome o seu lugar. Mas Filipe Janeiro considera que com esta resposta o presidente da Câmara «disse tudo» e por isso retira-se sem que se chegue a perceber bem se é uma saída daquela reunião se uma demissão da Assembleia Municipal.
Sabendo que estava marcada uma reunião de urgência da Assembleia de Freguesia da Ribeira do Fárrio, ainda nessa noite, o NO aí se deslocou. Porém porque tardasse a começar e porque o presidente da Junta de Freguesia nos disse para nos retirarmos que depois nos contactaria contando a decisão tomada, assim o fizemos, já a noite ia avançada.
E assim foi. Filipe Janeiro acabou por nos contactar, primeiro dando conta de alguma indecisão já que, afirmou, a sua vontade era a de abandonar a Junta mas continuando esta a exercer funções com os outros elementos eleitos. Mais tarde, Filipe Janeiro acabaria por nos confirmar que todos renunciariam ao mandato, estando apenas a aguardar uma reunião com o Governador Civil do distrito que haviam pedido que fosse agendada para quarta-feira.
Contactado pelo NO, o Governador Civil confirmou existir um pedido de audiência e que esta fora marcada para ontem, quinta-feira, dia 31, já após o fecho desta edição.
O Governador Civil confirmou-nos também o motivo da reunião, informando que tinha esclarecido que, de acordo com a lei, não se trata de pedido de renúncia ou de demissão junto do Governador. O que acontece nestes casos, é que os elementos dos órgãos autárquicos entregam esse pedido ao presidente da Assembleia de Freguesia e será este, depois, que deverá informar o Governador Civil da falta de quórum, para que possam, então, ser marcadas eleições.

Razões do recuo
Enquanto tudo isto ia acontecendo, Carlos Paquim da Costa lia o que Janeiro escrevera no jornal da terra. Como não gostou, escreve, dia 14 deste mês, à Câmara afirmando ter tido conhecimento da posição do presidente da Junta e afirmando que considera a sua posição como «de inteira propriedade, pondo os vários intervenientes no seu devido lugar e sendo perfeitamente esclarecedora dos direitos e obrigações de cada uma das partes». Diz que para «corresponder ao desejo de pacificação» do presidente da Câmara» concordou com a demolição da parte do muro junto à ribeira, embora «interiormente isso me custasse, dado o procedimento continuado do agente de todo este contencioso». Por isso ao tomar conhecimento da publicação do Fárrio e «dados os termos, o tom, o despropósito, as aleivosias – insultuosas mesmo – ali contidas» considera esta publicação «como um dado novo e grave que alterava completamente a solução apaziguadora que se tentava encontrar para a questão». Considera ainda que tal publicação, sendo pública era «inadmissível, considerando eu que não poderia deixar de ter consequências sob pena de, contemporizando-se, ou pactuando-se, com aquela linguagem desbragada e as ameaças expressas, se deixaria caminho livre a não sabemos mais que prepotências, dislates e enxovalhos». Mas, mesmo assim, diz ter deixado o assunto à consideração do presidente da Câmara, esperando que este não autorizasse o derrube e mudança do muro. No entanto, recua agora face o que considera ser a «megalomania e o perpetuar da impunidade» do presidente da Junta, considerando que «não devemos ceder-lhe, deixando ficar o muro como acordado e como está».
Porém Carlos Paquim não encerra a questão e diz que «no dia em que se pensar fazer a reformulação de toda aquela via e construção de passeios de um lado e outro, estarei inteiramente disponível para colaborar, observadas as regras de direito e civilidade adequadas».
Segundo o presidente da Câmara, a demolição estava marcada para dia 24, às 14h00 mas a carta do proprietário ainda não chegara ao conhecimento do presidente. Ao tomar conhecimento desta, Catarino tenta impedir que a demolição aconteça mas chega tarde. É-lhe dito que o muro havia sido demolido por ordem do presidente da Junta «sem para isso estar mandatado» afirma o presidente da Câmara.
Entretanto, os advogados de Carlos Paquim da Costa voltavam a contactar a Câmara dizendo saber que ali se encontrava a máquina para a demolição e que, se tal acontecesse, isso seria entendido como «grave violação dos direitos» do proprietário e constituiria «crime, não apenas de dano, mas também de prevaricação e que, em conformidade, de imediato farei participação junto do tribunal de Ourém, e darei conhecimento do facto ao IGAT e ao Ministério Público junto do TAF de Leiria».
Face a esta situação, apenas restou como solução a reconstrução do muro.
O presidente da Câmara elaborou já um documento para apresentar o caso à vereação e onde explica, passo a passo esta todo o processo, juntando-lhe os documentos a que o NO também teve acesso.

Renúncia à vista
Entretanto, no Fárrio, havia sido marcada reunião com todos os elementos, efectivos e suplentes da Assembleia de Freguesia, para a passada quarta-feira à noite.
O NO falou com o presidente da Assembleia, José Carlos Pereira, que nos confirmou que o processo de renúncia de mandato já havia sido iniciado, aguardando-se a tal reunião da noite para ouvir os suplentes da lista social-democrata. Isto porque o PS apenas elegeu um elemento, pelo que a sua decisão não influenciará a falta de quórum. De qualquer modo o eleito pelo PS só durante a reunião deveria decidir qual a posição a tomar, após obtidos todos os esclarecimentos que considera necessários.
José Carlos Pereira diz que esta posição não é tomada apenas por solidariedade com o presidente da Junta. «A questão fundamental, é o muro» afirma e diz que «nós também temos olhos na cara».
Na quarta-feira, pelas 23h35, recebiamos a informação do próprio Filipe Janeiro de que todos os elementos da autarquia, incluindo o eleito nas listas do PS, haviam renunciado ao cargo na reunião acabada de decorrer.

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