29 junho 2007

Ourém discutiu endividamento: «Comprar o que se precisa com o dinheiro que não se tem»


As questões do endividamento parecem não preocupar muito a população de Ourém, a avaliar pelo número de pessoas que respondeu ao convite da Câmara para uma sessão de esclarecimento sobre endividamento, organizada pelo GIAC – Gabinete de Informação Autárquica ao Consumidor, que teve lugar no passado dia 19 de Junho.
Menos de uma vintena de pessoas na assistência ouviram falar de sobreendividamento e colheram alguns conselhos para evitar chegar-lhe.
A sessão foi aberta pelo vice-presidente da Câmara que apontou os apelos do consumismo da actual sociedade como causa de um dos principais problemas da actualidade e da necessidade de ter «uma perspectiva do que pretendemos adquirir, fazendo contas para saber qual o suporte financeiro».
Em relação à fraca adesão da população, Frazão fez votos de que tal seja «sinal de fraco endividamento no concelho» e de que, afinal, «a crise não seja tão grande como parece».
Vítor Baptista, presidente da Delegação da Deco de Santarém fez um pouco o historial e das causas do problema apontando a «actual forte pressão para o consumo» que leva as pessoas a sentirem-se impelidas a «comprar aquilo que não precisam, com o dinheiro que não têm».
Dá o exemplo das férias, reconhecendo que «todos temos direito a elas» mas, ao fazerem um empréstimo para este ano, as pessoas esquecem-se que nos próximos continuarão a necessitar de ter férias e ainda estarão a pagar as actuais. Por isso lembra que «nem todos podemos ir para os mesmos destinos». Do mesmo modo, «se todos precisamos de um carro, nem todos podemos ter grandes marcas».
Para Vítor Baptista um dos problemas é que quando as pessoas decidem pedir um empréstimo, acabam por se instalar num confortável «já agora…», que vai aumentando o valor inicialmente pretendido. Dá o exemplo: pede-se um empréstimo para uma casa, mas «já agora» pede-se um pouco mais e constrói-se uma casa maior do que a que se necessita, «já agora», mais qualquer coisa e faz-se uma piscina, «já agora, mais uns trocos e vem uma mobília nova… e os «já agora» vão-se multiplicando e chega uma altura em que já não há rendimento capaz de fazer face ao endividamento. E diz este responsável da DECO que «não há forma de dar a volta a isto» porque «as pessoas trabalham e sentem-se no direito a ter as suas coisas», sobretudo porque, muitas vezes, se estabelecem comparações com o vizinho do lado e se pensa que «se ele tem eu também posso», esquecendo que muitas vezes esse vizinho também já vive situações complicadas de sobreendividamento, ou então, de facto, tem capacidade financeira diferente.
Por isso, para este responsável «há que ter noção que isto é uma ladeira íngreme de subir» e «teremos que fazer contas muito bem feitas, antes de tomar decisões». Porque não é um problema fácil de resolver, Vítor Baptista defende a existência de políticas que venham do próprio governo e a necessidade de se criarem programas de incentivo à poupança.
Por fim, deixa um aviso muito sério para que as pessoas que recorrem ao crédito, sobretudo ao crédito fácil que nos entra todos os dias pela casa adentro, para lerem muito bem «as letras miudinhas dos contratos». Isto porque «as propostas vêm sempre apresentadas em belos invólucros e com as palavras que queremos ouvir. Só depois aparecem os problemas».
Júlio Miguel, gerente da Caixa Geral de Depósitos começou por dizer que as questões do endividamento são transversais à sociedade, afectando todos. No entanto, não considera que tal seja mau, o problema surge não com o endividamento normal mas com o sobreendividamento.
Faz a sua intervenção incidir nas questões do crédito à habitação apontando as diversas opções existentes no mercado para afirmar a «importância de as pessoas irem directamente aos bancos, de compararem as ofertas, fazer bem as contas e só depois decidirem» alertando para algumas ofertas que podem ser ilusórias porque «os bancos não estão no mercado para perder dinheiro» e mais tarde ou mais cedo vão recuperá-lo.
Para além do crédito à habitação, apontou outros modelos e recordou que hoje as pessoas, por vezes sem se aperceberem muito bem disso, têm vários créditos: habitação, carro, férias, mas também os dos cartões de crédito das contas-ordenado».
Mas para este responsável bancário, a situação portuguesa não é das mais complicadas até porque «os bancos não têm nenhum interesse em que situações de incumprimento avancem, pelo que estão abertos à negociação das dívidas». Por isso deixa o alerta: «quando as pessoas começam a sentir dificuldades, não devem ficar à espera que passe. Devem ir aos bancos e tentar renegociar porque eles estão abertos a isso.
«A poupança como uma das soluções do sobreen-dividamento» foi o mote para a intervenção da oradora que se seguiu. Para Elianora Santos, jurista da DECO, «gasta-se cada vez mais e poupa-se cada vez menos». Muita da culpa deste facto passa pela agressividade da publicidade aos produtos financeiros que «tem um papel preponderante neste cenário». Recorda a importância de ter sempre uma poupança para fazer face a um momento inesperado de dificuldades acrescidas, como o são situações de doença ou de desemprego. E o aconselhado é ter de lado o equivalente a três ordenados que nessa situação permitam algum desafogo até a situação se normalizar. Mas defende também as poupanças por objectivos, tendo em vista uma compra específica, uma viagem, etc.
Para além das muitas razões para ter uma poupança, Elianora santos fala também da importância de se fazer um orçamento familiar que permita o controle de despesas e onde toda a família possa participar na gestão dos recursos.
Refere o, cada vez maior, número de pessoas que recorrem aos seu serviços da DECO procurando ajuda que, geralmente é dada em termos de mediação. Mas deixa claro que é muito mais fácil negociar com bancos do que com as financeiras que oferecem crédito fácil mas com quem, depois, é muito mais difícil negociar.
Do público foram poucas as intervenções mas houve duas particularmente dramáticas. A de uma senhora, desempregada, que recorreu ao crédito de uma financeira e que agora não consegue cumprir nem renegociar o crédito e o de um casal ainda muito jovem mas que se vê a braços com uma situação de burla ocorrida com os seus pais e que lhes está a destruir a vida. Para ambos ficou a promessa de análise da situação pela Deco e de tentativa de ajuda.
A sessão foi encerrada pela presidente da Assembleia Municipal, Deolinda Simões, que fez uma síntese do que ali havia sido apresentado e discutido.

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