24 novembro 2005


Da “poesia que se vê” para a “poesia que se lê”

“Telas Branco & Negro” é o título do novo livro de Jorge Melo, acabado de editar pela Som da Tinta e apresentado na livraria no sábado passado. Trata-se de um livro de poesia com ilustrações do próprio autor.
A apresentação da obra e do poeta/ pintor, esteve a cargo de Sérgio Ribeiro. Começou por apontar a obra de Jorge Melo como a catarse do autor que é também médico cirurgião. E brincando um pouco com os versos de Pessoa, diz Sérgio Ribeiro, e escreve-o no prefácio da obra, que “Se o poeta é um fingidor, / os médicos que são poetas não mentem/ Sofrem deveras a dor/ que os outros sentem”. Considera que em Jorge Melo é evidente a “atenção às palavras” aliada à vertente plástica, através das gravuras que surgem como “parte intrínseca do que quer dizer”. Da sua interpretação da obra, Sérgio Ribeiro conclui que “o autor menos-valoriza o som das palavras. Atribuiu todo o significado à imagem, ao grafismo (ao marcar espaços que não os rotineiros, ao dividir a frase na mudança de linha, no que sublinha ou põe em negrito), mas não tanto à sonoridade”.
Por outro lado “Jorge Melo é autor que não poupa o leitor. Tudo carrega de fundo significado. E se o que nos é dito é carregado de significado, por vezes no recôndito das mensagens, no mais escondido das confissões, no mais codificado das palavras, as imagens que Jorge Melo usa são muitas e ricas. (…) Palavras e mensagens como as do tempo, dos espelhos (que alteram o rumo ou os rumos), da solidão, de um casaco dependurado nas paredes do tempo e que flutua, do ventre, dos verbos parir e sangrar”.
E embora não tenha falado, mas sim lido poesia, a poesia de Jorge Melo, o seu amigo e também ele poeta, David Teles Ferreira escreveu o “escrito que vem no fim, mas se recusa a ser posfácio”, fala do poeta/pintor. Recorda que o conheceu como “poeta da poesia que se vê” (a pintura) e hoje ele assume-se também como “poeta da poesia que se lê” (a palavra). E porque, afirma Teles Ferreira, não são os poetas que escolhem a poesia, mas sim a poesia que escolhe os poetas, foi a poesia que envolveu Jorge Melo, “como uma onda de maré-cheia ou turbulento rio, o despiu na agitação e fúria das águas-palavras, para depois o depositar na praia nu como um naufrago ou um poeta”.
Acredita que “é assim que surge esta poesia em espiral, esta busca persistente e constante no mais fundo de si próprio. E a constatação de que, como todos os poetas, como todos os verdadeiros poetas e ‘outros homens loucos’, como todos os que insistem na diferença, está “na contra mão da vida”.
Por fim, impõem-se as palavras do autor, também elas lidas porque escritas na obra:
“… todas estas folhas de páginas que se escrevem quase com uma vontade própria reúnem-se num formato que por acaso resultou num livro… cada página é um fragmento, cada fragmento um pedaço do todo, da forma! Provavelmente perdurará dependurado numa prateleira, como um casaco dependurado no tempo à espera de ser vestido por uma qualquer alma sedenta… assim o será, lido, sempre que a alma precisar de um espelho, sempre que estilhaços de uma vida precisem de se reunir num formato que por acaso é uma vida, sempre que uma vida precise de se ler na agonia da escolha dos estilhaços”(…).

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