
Notícias de Ourém: Que projecto é este?
José Maria Pereira Coutinho: O projecto chama-se "Causas de ignição humana para os incêndios florestais" . O projecto é uma parceria entre o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE (onde sou investigador) e a Direcção Geral dos Recursos Florestais, uma entidade que tem a gestão florestal.
Em 2005, a Direcção Geral dos Recursos florestais pediu a uma entidade que já foi extinta para elaborar um plano nacional de defesa da floresta, contra os incêndios. Este plano tinha como objectivos estratégicos a melhoria do conhecimento dos fogos florestais.
É um projecto de âmbito nacional. Esta a ser efectuado em seis concelhos: Arcos de Valdevez – distrito de Viana do Castelo, Paredes – distrito do Porto, Gouveia – distrito da Guarda, Penela – distrito de Coimbra, Ourém – Distrito de Santarém e Proença-a-nova – distrito de Castelo Branco.
NO: E porquê Ourém?
JC: Tem a ver com uma realidade que aconteceu este ano, um incêndio grande no Parque Natural da Serra d’Aire e Candeeiros. Não vamos estudar só esse incêndio, vamos estudar a realidade, principalmente de 2001 a 2006. Os últimos seis anos porque, se o padrão dos incêndios, dos últimos anos, é determinado então a probabilidade de esse padrão se repetir é maior que estudando um padrão de há dez ou quinze anos.
NO: Não tem a haver com os incêndios do ano passado?
JC: Não, mas nós vamos estudar as causas mais recentes que, vão repetir-se (esperamos que não mas vão repetir-se), a probabilidade de se repetirem será maior, nestes últimos anos que em anos mais anteriores.
O nosso estudo tem como objectivo conhecer, compreender, explicar as causas dos incêndios florestais, as causas de ignição humana; sabemos que 75 por cento são ignições de origem humana, as restantes são de origem natural. O que está por detrás destas causas é o que vamos estudar: as variáveis de acção (comportamento e motivações do homem) e as variáveis de estrutura (tudo o que condiciona a acção desse mesmo homem) e tentar quantificar essas variáveis.
NO: Como é que vão desenvolver o trabalho?
JC: Há várias variáveis de acção futura: camadas agrícolas, renovação de pastagens, incendiarismo que pode ter várias motivações (piromania mental, motivações financeiras, vingança e retaliação). Nós vamos usar uma série de técnicas: entrevistas, conversas com as populações, análise de cartografia, revisão da base de dados das ocorrências porque essa base de dados tem graves lacunas; sendo também essa uma das razões principais pela qual estamos aqui: há lacunas na investigação nas causas.
NO: Quando começaram?
JC: Começámos na terça-feira, dia 18 de Setembro e vamos terminar no dia 25 de Outubro.
NO: Quantas entrevistas vão realizar?
JC: Vamos entrevistar os membros da Comissão municipal que são 15 e esses mesmos membros vão designar outras pessoas que acham pertinente que nós abordemos principalmente para averiguar as causas.
Estamos a trabalhar com informantes, os chamados interlocutores privilegiados, as pessoas da comissão municipal são aquelas que, à partida estão mais por dentro do assunto. Por outro lado há as populações, de maneira geral, que nós também vamos abordar tanto numa conversa mais aprofundada como em inquérito.
NO: Como é que vai ser feita a investigação?
JC: A investigadora está cá, Inês Oliveira e vai percorrer principalmente uma freguesia que nós escolhemos, a de Fátima.
NO: Porquê Fátima?
JC: Porque na reunião da Comissão municipal, nós apresentámos o projecto (na segunda-feira, 17 de Setembro) e um dos objectivos dessa reunião era escolher a freguesia para estudar em mais profundidade. Como só temos um mês e uma semana para fazer este estudo, temos que escolher uma freguesia que, por um lado, tente representar o concelho na sua variedade em termos de espécies florestais: pinheiro, azinheira, eucalipto, na sua biodiversidade como também tenha bastantes ocorrências, uma área ardida significativa e o valor dessa floresta que ainda existe na freguesia seja elevado, ou seja, significativo.
NO: Há outras freguesias que têm mais floresta, Espite, Freixianda, por exemplo. Porque não uma destas freguesias? Como é que Fátima representa melhor o concelho de Ourém?
JC: Temos que escolher uma freguesia que tenha ocorrências, elevado número de área ardida. Fátima é aquela que regista maior número de ocorrências.
NO: Na mesma semana que houve um grande incêndio em Seiça, houve também um em Fátima. E em Seiça consumiu mais mata…
JC: Temos que utilizar uma série de critérios ao mesmo tempo. Foi escolhida pela Comissão e a Comissão é composta por pessoas que conhecem bem o concelho.
NO: Os investigadores já cá tinham estado?
JC: Não.
Da reunião de segunda-feira, houve uma série de freguesias que foram abordadas: Seiça, Nossa Senhora das Misericórdias, Freixianda. Mas, depois de discutir o critério das ocorrências, da área ardida, do valor da floresta, da diversidade e da representatividade da freguesia em relação à totalidade do concelho chegou-se à conclusão – não fomos nós, foram os membros da Comissão – que Fátima seria a freguesia mais interessante para estudar. Depois, curiosamente, porque Fátima é uma freguesia universalmente conhecida, acho que isso também ajudou. Mas, principalmente, porque havia fortes razões para escolher Fátima.
NO: Quantas entrevistas serão feitas?
JC: Trinta. Conversas com as populações, sobretudo.
NO: Na zona rural ou urbana?
JC: As duas. Vamos fazer inquéritos tanto na cidade de Fátima como nas localidades mais rurais para vermos a diferença nas atitudes e motivações das pessoas em relação ao fogo e à floresta, comparar o urbano com a parte rural, estudar uma série de fenómenos.
NO: Depois de 25 de Outubro, que se passa de seguida, nesta investigação?
JC: Temos mais duas semanas em gabinete, no CIES para fazer o enquadramento sociológico, antropológico destes seis concelhos.
NO: Este estudo será apresentado publicamente?
JC: Será apresentado ao público, jornais, rádios, conferências no meio académico, conferências mais generalistas.
NO: No caso de Ourém, é suposto haver uma apresentação pública à população?
JC: A ideia é essa. Apresentação pública à Comissão municipal e também uma sessão pública com a população.
NO: E depois? Este estudo visa exactamente o quê?
JC: É um estudo piloto. Deste género e com esta metodologia é a primeira vez que se faz, em Portugal e no mundo.
NO: Este estudo será um trabalho académico ou será transposto para a prática?
JC: É um estudo piloto, preparatório, de preparação para próximos estudos porque a ideia é esta parceria, entre o CIES e a DGRF, ser renovada todos os anos, isto passando para outros concelhos. Estes foram os concelhos escolhidos este ano, continuando, serão escolhidos novos concelhos, no próximo ano.
Por outro lado, na prática, o objectivo deste estudo é ajudar a encontrar as causas mas, a meta deste estudo é (o estudo foi pedido pela DGRF não para saber as causas) uma investigação aplicada. O chavão deste estudo é conhecer para prevenir. A ideia é utilizar este conhecimento para ajudar a sensibilizar, na educação das populações, sempre documentadas, tanto por concelhos como nos vários concelhos, os vários tipos de segmentos populacionais.
NO: Mas na teoria não sabemos já como é que isto se passa tudo (incêndios)?
JC: Não. Sabemos que são causas humanas. Não sabemos se são queimadas, por exemplo. Não sabemos que tipo de causas.
Há um corpo que faz parte da GNR, o SEPNA que tem como competências fazer investigação das causas dos incêndios florestais. Só que, até ao momento, e, durante estes anos, o número de causas investigadas tem sido pequeno e, mesmo aquelas que são investigadas, grande parte delas são indeterminadas. Esta é a razão principal pela qual nós estamos aqui a fazer este estudo. O conhecimento das causas é diminuto. As pessoas sabem mas, nós conversamos e as pessoas não sabem, sabem muito pouco. Quem sabe são as pessoas da Comissão. Só que esta informação, de certa forma, está dispersa. Por um lado, estamos a reunir a informação dispersa pelas várias pessoas do concelho que possam ter uma informação fiável e, vamos, também, buscar informação às cartas topográficas, além dos contactos com os bombeiros, GNR, entre outras entidades.
NO: A ideia do "Conhecer para prevenir", será já para aplicar no próximo ano?
JC: A ideia é utilizar o conhecimento já no próximo ano.
NO: Há pouco falava na revisão da base de dados, que possui algumas lacunas. Que lacunas?
JC: A base das ocorrências da DGRF, baseada nos dados que os bombeiros. O que se passa é que o número de causas investigadas é pequeno. Se vir o concelho de Ourém há muitas ocorrências nas 18 freguesias. Se multiplicar por cem, dão quase duas mil ocorrências. Só trinta ou quarenta é que são investigadas. Mesmo dentro dessas só parte delas é que se sabe a causa correcta da ocorrência. Vamos fazer a articulação com os bombeiros e GNR porque, à partida, são as autoridades que têm mais informação em termos de causas. Pode haver casos, nalguns concelhos que não tenham base de dados fica mais incompleta depende muito de cada concelho.
Temos como objectivos secundários compreender atitudes, comportamentos, costumes das populações em relação à floresta.
NO: É preciso fazer uma revolução de mentalidades por exemplo, quanto às queimadas?
JC: Já se está a fazer. É um trabalho de gerações.
NO: A que conclusões têm chegado, nos estudos dos outros concelhos?
JC: O interessante deste trabalho é perceber que as causas mudam de concelho para concelho. Mas há um tipo de causas que são comuns. A DGRF tem uma lista delas, pelo menos 30 a 40: ou passa pelo incendiarismo; ou pelas camadas de resíduos agrícolas, de lixo ou de indústria; por renovação da pastagem, se for zona de pastoreio; conflitos de caça; negligência de menores…
Nós queremos que os entrevistados tentem qualificar, percentualmente, as causas dos incêndios. Obter os dados, ano a ano, de preferência de forma sazonal e por freguesia.
NO: Vamos imaginar que obtém como dados: 70% é incendiarismo e 30% distribuídos por queimadas e, eventualmente, conflitos de caça. Que conclusão se tira, na prática?
JC: Imagine 70% por cento incendiarismo, 30% caça. Aí temos que trabalhar, por um lado, os caçadores. 70% de incendiarismo, estamos a falar de Polícia Judiciária, aí temos que tentar articular um trabalho em conjunto.
NO: Mas não teme que o estudo possa ficar na gaveta?
JC: Queremos mesmo que os resultados sejam aplicados na prática, no próximo ano. Há financiamento, o estudo é financiado e há financiamento do estado português e europeu para a educação ambiental.
NO: Quais têm sido as dificuldades com que se têm deparado?
JC: As pessoas quando não conhecem o estudo ficam reticentes em dar a informação. Isso não se passa neste concelho porque o estudo foi apresentado, agora noutro concelho onde ele não pôde ser apresentado, houve algum problema em as pessoas darem a informação.
As populações têm um discurso feito à base da comunicação social. Põe exemplo, se perguntar qual é a causa, dizem é o incendiarismo. Mas se formos a espremer a informação, não aprofundamos e percebemos que a fonte de informação é a mesma. Vão beber à opinião pública que poderá ser construída por jornais.
NO: A culpa é da comunicação social?
JC: Não, é o facto do incendiarismo estar muito divulgado. É importante o incendiarismo mas, isso de certa forma condiciona o conhecimento de populações que estão mais ligadas à ruralidade e aos incêndios florestais.
1 comentário:
obrigada pela visita.
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